O Provérbio

"Há males que vêm por bem."

E quanto tempo devemos nós esperar até que esse bem apareça?

Como fazer florescer um Amor Perfeito - round 2

Orgulho

Ele entrou, como num transe, a cabeça baixa e as narinas abertas, cada passo ressoando no soalho do chão, como um toiro enraivecido, humilhado, espicaçado, vertendo sangue do dorso robusto. Os olhos vidrados, colocados num plano além do real, os punhos cerrados prontos para causar dor em qualquer coisa ou pessoa que ali surgisse sem ser esperada.

Pling, pling... as gotas de sangue invisível a pintalgarem o chão. 
Afinal ele é de carne e osso.

Todos aqueles meses, a pele brilhante e lisa tinha-me iludido, a expressão confiante, a intransigência, julguei que fosse de um só material todo aquele corpo, até ao mais ínfimo e delicado pormenor, uma qualquer liga inquebrável, invulnerável e indecifrável que superasse o meu alcance e a minha imaginação.

Mas ele ali estava, ferido no mais íntimo do seu ser, quebrado por dentro como eu nunca pensei que fosse possível. Quando lhe toquei as mãos estavam geladas e a força morreu-lhe toda no abraço apertado. Caiu de joelhos, um baque surdo que me doeu no peito, tão fundo, tão fundo, num local de mim cuja existência desconhecia até então.

Do quarto nascia um cheiro acre a morte, a fios de alma embaciados. Eu era apenas uma espectadora triste do mistério da vida, do ciclo vicioso que nos leva do pó ao pó. A respiração profunda abafava-me os pés, depois as pernas e depois o ventre.

Deixa-me abraçar-te, disse ele num murmúrio gutural. Estás tão quente.
Deixa-me despir-te e sentir esse calor na minha pele devastada. Estás tão viva, e eu preciso desse bocadinho de mim que aí tens dentro. Põe-mo no peito de mansinho, com cuidado, e eu prometo que to devolvo em menos de nada. 
Quero só lembrar-me que ainda estou aqui.

Como fazer florescer um Amor Perfeito?


Expor à luz solar.
Manter a temperaturas entre os 15 e os 25ºC.
Regar com frequência e abundantemente.

Ensaio de Sexta-Feira

Não venha o tempo dizer-me que falhei e já eu me antecipo, a análise rígida dos passos dados e dos não dados, a cabeça pensativa entre as mãos, o exame de consciência que vicia porque traz a disciplina e o controlo de danos.
Cada dedo apontado é uma carta que se desequilibra e cai. A perfeição das coisas manda que volte imediatamente ao seu lugar, imaculada, toda e qualquer causa da sua queda profundamente esmiuçada e corrigida.

Cansada, deixo cair a cabeça entre os joelhos e esqueço o castelo de cartas, meio tombado pelas circunstâncias dos últimos dias. Às vezes apetece soprar só para ver o que acontece quando tudo se desmorona. Apetece devastar com uma rajada os falsos problemas, as mesquinhices que a rotina nos força a julgar relevantes. 

Apetece ir viver para o meio da floresta, sem civilização alguma, construir castelos onde as cartas sejam estar vivo, estar quente, estar seguro só para poder regressar ao mundo real e respirar a profunda sensatez de distinguir aquilo que importa daquilo que é acessório.

Num mundo em que não houvesse espaço para textos destes, preocupações destas, teorias absurdas da conspiração, da perseguição, do azar e da sorte. Cheirasse eu uma flor e tudo nesse gesto me bastasse. Dedos apontados só para o sol que se põe, os bandos agrupados de aves ou a sombra mais refrescante para descansar.