Formigas

Sentei-me na relva, respirei fundo e tentei encontrar um sentido nas coisas que se tinham passado...

Até agora ainda só vi formigas...

Inquietação

Tudo tem um fim.

Só mais um dia em que o Sol nasce, contempla a Terra e percorre inexoravelmente o seu caminho até à noite, indiferente a tudo o que à sua luz se desenrola. Mas hoje, quando me deitar, muito depois do Sol ter desaparecido no horizonte, o mundo será, aos meus olhos, um sítio muito diferente.

Encarar a perda, ainda que em antecipação, é entender o desaparecimento daquela pessoa em particular mas também entender que nada dura para sempre, que algo que era complexo, que era alma, que era gente, que era um intrincado labirinto de recordações, conhecimentos, experiências, ideias, valores e sentimentos pode desaparecer num milésimo de segundo, sem deixar qualquer sombra de rasto. Todo um universo de inestimáveis pedaços de vida, assim perdidos, como se nada ali tivesse habitado além de um imenso vácuo num corpo imóvel.

E enquanto a hora não chega (a hora já anunciada pelas pequenas missivas orgânicas que ninguém soube interpretar) resta-me ver o esforço cambaleante de quem antes corria, ouvir os sussuros hesitantes de quem antes cantava, sentir e partilhar a profunda mas tranquila tristeza de quem antes sorria.

Queira Deus que estas minhas palavras e esta minha dor silenciosa tenham um propósito, queira Deus que pelo menos em mim subsista um pequeno pedaço de uma vida que se vai esgotando.

I wish...

Eu bem queria chegar a casa, sentar-me tranquilamente, abrir o computador e escrever aqui qualquer coisa maravilhosa, arrebatadora, ao mesmo tempo subtil e engraçada, mas também profunda e inspiradora, enfim qualquer coisa tão perfeita que nos pudesse ludibriar a todos, que nos fizesse fugir por uns momentos desta vida tão profundamente incompleta, injusta e cruel.

Digo: nunca como hoje me senti tão velha, tão ultrapassada pelas coisas, tão presa numa rede de artimanhas da qual não me consigo soltar por mais que tente.

E surge-me na mente aquela frase, inúmeras vezes repetida: com cada desgosto profundo uma parte de nós morre, para jamais voltar... Lembro-me de um post que escrevi há muitos, muitos meses, com profunda dor e em que me imaginava a mim própria no espelho, a Sofia de antigamente, a Sofia que acreditava, para sempre impedida de voltar a habitar o mundo real.

Mas hoje que a angústia adormece de mansinho no meu peito percebo que essa Sofia ainda está aqui, agonizando lentamente, à espera de um grito de salvação, um grito que nunca virá...

Como eu queria que as coisas corressem bem!... É um desejo tão forte que me arrebata. Talvez eu ainda possa ser feliz...

Pequenas coisas

Hoje são as pequenas coisas que despertam a minha atenção...

A flor nova que desabrochou na jarra da entrada,
O minúsculo caracol de cabelo do meu irmão que descansa na almofada do sofá
A luz ténue e minimalista do candeeiro de pé que banha de dourado o chão
O ruído longínquo da televisão da cozinha enquanto escrevo estas linhas

A melodia das palavras que acabo por não pronunciar mas que embalam docemente o meu coração por estes dias...

Dar as mãos...

Vou cortar o cabelo!

Hoje acordei de manhã (sendo aqui a palavra "acordei" um abuso de linguagem porque a verdade é que não preguei olho a noite inteira por motivo que provavelmente permanecerá para sempre um mistério) e decidi, perante a imagem perplexa e despenteada que me olhava no espelho, que tinha de cortar o cabelo. Marquei mentalmente: Urgente!

E assim começou a estranha manhã, depois de uma estranha noite e que, espero bem, não culmine numa estranha tarde (é porque uma tarde estranha nas circunstâncias actuais pode significar sair do cabeleireiro careca ou com uma crista verde).

Enquanto esperava horas para perceber em que consistia o meu estágio na Psiquiatria e quem era o meu tutor fui interagindo com várias personagens interessantes como a secretária de unidade que usa socas barulhentas, o segurança da enfermaria que deita a língua de fora aos doentes internados através do vidro da porta e até (percebi eu depois do susto) senhores agentes da polícia que entram à paisana na sala de espera com revólveres a aparecer nas calças de ganga.

Quando finalmente fui orientada (e bem!) pelo Serviço apercebi-me que o hospital está em convulsão interna, com o pessoal médico a fugir a sete pés para o privado. Assim, depois de uma conversa de cerca de 20 min o meu tutor acabou dizendo "a saúde em Portugal está mesmo mal, espero não ter contribuído para destruir os teus sonhos de jovem médica".

E agora, depois do incentivo, lá vou eu aventurar-me no cabeleireiro. Serei uma mulher nova daqui a meia-hora, prontíssima para alternar Harrison com o capítulo do DSM de esquizofrenia.

Redes mentais

Quem me conhece sabe que a seguir a uma crise criativa vem um BOOM de posts... e como é meu hábito não querer desiludir ninguém aqui vai mais um.

Cada vez acredito mais que não acredito nas redes sociais. E contra mim falo porque devo estar inscrita em quase todas as que existem. Ainda agora liguei o msn e lá estavam as opções: memorizar-me, esquecer-me, abrir automaticamente, aparecer como offline! Uau, qualquer dia começamos a acreditar que a vida é assim também. Agora memoriza-me mas amanhã esquece-me, hoje estou online, amanhã dou uma espreitadela mas offline para não saberes que estou aqui, estás a falar comigo mas eu até me pus ausente por isso não preciso de responder. E não pensem que quem concebe estas redes tenta subrepticiamente transformar o rumo da sociedade actual porque basta pensarmos na palavra Facebook para percebermos para que serve e em que entramos. Estamos a mostrar a nossa bonita carinha para ver se alguém nos liga alguma, e colocamos lá que somos solteiros, ou numa relação, ou numa relação aberta ou à procura de amigos e achamos que o mundo se cataloga assim, alegremente e sem remorsos.

E depois dou por mim a conhecer pessoas e a pensar: "Será que este é dos que memoriza e depois esquece ou será que é dos que está aqui mas diz que está ausente?" Será que os outros pensam o mesmo quando me conhecem a mim?

É assustador!

E para aumentar a paranóia de tudo isto vou citar um grupo do Facebook para demonstrar os fenómenos curiosos (e são mesmo do ponto de vista sociológico muito interessantes) que ocorrem nestas redes. Há então um grupo que se chama qualquer coisa deste género: "Na rua não me falas mas queres ser meu amigo no Facebook". Brilhante! Porque sem olhar cara a cara é fácil dizer e fazer tudo, e porque o ego aumenta quando de 100 "amigos" passamos a 150 e depois a 200. Epá, sou muito famoso!!

E depois é chegar a casa e correr para o computador para ver se responderam ao que se postou, aquela foto ou aquela frase. "Boa, tenho aceitação social" ou "Bolas, ninguém me liga nenhuma".
E às tantas, quando os amigos reais metem o pé na argola, já não há tolerância nem meias medidas, afinal tenho 300 "amigos" no Facebook por isso sou feliz mesmo sem aquele. E as relações cada vez mais são frágeis, porque tenho aqui 20 pedidos de amizade de meninas e meninos tão giros, que pena desperdiçar.

E tudo isto se torna ainda mais perturbador quando acabamos por conhecer ou reencontrar pessoas decentes desta forma... Afinal onde está a verdade das coisas?

E para terminar, peço perdão à minha professora de Português que eu adoro e que colocava tantas esperanças em mim por ter começado cinco parágrafos deste post por "e". Parece que as redes sociais também assassinaram o meu português.


Talvez

Não se preocupem os visitantes do meu blog... Os que comentam e aqueles que eu sei que lêem mas não comentam... Eu voltei.

Voltei porque ciclicamente alguma coisa acontece que me relembra que nada sou sem as minhas palavras, sem os meus desabafos neste cantinho que partilho convosco. Em tantos momentos aqui confidenciei os mais obscuros e profundos sentimentos, coisas que passaram e que agora são apenas textos de meia dúzia de linhas perpetuados até que o blog morra.

E há uma espécie de sensação catártica em escrever aqui, qualquer coisa mística que não encontro em mais lado nenhum e em ninguém... E agora que penso nisso... Ainda bem. Porque as pessoas vão e vêm, tomam outros rumos, desiludem-nos ou nós a elas, mas as palavras podem durar para sempre se assim o desejarmos.

Se há coisa que me acompanha desde os primórdios de mim é o desejo de escrever, agarrar na caneta (daquela forma estranha, sim) e juntar duas ou três palavras, tantas vezes baptizadas com lágrimas porque tantas vezes essas palavras eram de angústia, de desespero, de frustração.

E já estamos todos cansados de saber que a tristeza inspira a estas andanças da escrita, o coração fica apertadinho e envia cá para fora coisas tão absolutamente íntimas que às vezes nem me apercebo de as ter pensado antes de as ter escrito. E quando escrevo não espero nada, sinceramente, além de um alívio transitório das coisinhas parvas que me atormentam.

Mas hoje, não sei bem porquê, não sei se é o tempo que está claramente a mudar, as nuvens que se adensam, a chuva que ameaça cair, mas há qualquer coisa de diferente... A minha alma continua estranhamente pesada.

Talvez um destes dias me ocupe a revisitar algumas coisas que aqui escrevi no passado, num daqueles dias em que o horóscopo diz a verdade sobre o meu signo masoquista. Talvez me deite na carpete de pêlo fofo, talvez feche as cortinas, talvez cante para mim própria uma música qualquer, talvez desarrume os meus peluches de infância do gavetão e finja que ainda sou pequenina. Talvez ligue a televisão bem alto só para não ouvir os meus próprios pensamentos, talvez saia de casa e caminhe sem rumo, talvez enterre a cabeça na almofada e finja que o dia não chegou a começar.

Porque sim...

"Fui para a cama com todos os sentimentos,

Fui souteneur de todas as emoções,

Pagaram-me bebidas todos os acasos das sensações,

Troquei olhares com todos os motivos de agir,

Estive mão em mão com todos os impulsos para partir,

Febre imensa das horas!

Angústia da forja das emoções!

Raiva, espuma, a imensidão que não cabe no meu lenço,

A cadela a uivar de noite,

O tanque da quinta a passear à roda da minha insónia

O bosque como foi à tarde, quando lá passeamos, a rosa,

A madeixa indiferente, o musgo, os pinheiros,

Toda a raiva de não conter isto tudo, de não deter isto tudo,

Ó fome abstracta das coisas, cio impotente dos momentos,

Orgia intelectual de sentir a vida!"







Álvaro de Campos