A verdade é que, tenho reparado, nestas horas passadas na enfermaria de Medicina, que a maioria dos doentes vai piorando à medida que o tempo passa e não o contrário. Às vezes sinto-me num daqueles filmes em que o protagonista pára no meio de um corredor e de repente tudo em volta começa a desenrolar-se em câmara lenta, as vozes imperceptíveis a arrastarem-se, os movimentos lentos e as cores meio baças. É nestes segundos que penso: o que estão estas pessoas a fazer aqui, nestas salas de morte lenta, sós entre cortinas e algálias e carrinhos de enfermagem e pessoas de bata que de forma mais ou menos banal fazem disto o seu local de trabalho.
O que estão estas pessoas a fazer em macas nos corredores, umas atrás das outras, empilhadas, sem um pingo de privacidade, as suas queixas a perderem-se no ruído de fundo, as suas almas a perderem-se no cinzento angustiante das paredes.
E quando eu semi-corri para a sala do fundo para dizer à minha doente que ia ter alta e que ia finalmente voltar para casa, ela sorriu e abraçou-me e eu juro que entendi tudo. Nos dois dias anteriores morreram duas pessoas na mesma sala e não era um dia inédito.
Neste sítio onde é suposto curar e aliviar, a morte e o sofrimento são as coisas menos inéditas.
1 comentário:
é bom ver que ainda sentes o sofrimento humano. nao deixes que o tempo t torne insensível a tudo isto.
digo isto porque a interna da minha equipa, uma rapariga ainda há pouco estudante, é alguem que se importa com muitas coisas...mas não de doentes.
é assustador pensar que podemos ficar assim...
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