Histórias - Capítulo II

A noite estava clara das dezenas de candeeiros acesos, as minhas mãos apoiadas no corrimão gélido, a pintura do metal a descascar grosseiramente sob os meus dedos. Ainda assim fiquei ali, imóvel, fixando o desenho geométrico que as pedras da calçada formavam no chão do largo.

De todo o lado a orquestra tocava, músicos invisíveis da minha mente, e eu acreditava com todo o meu ser que podia voar dali para fora, balançar-me entre as varandas de Arte Nova e dançar a uns metros do chão sem que ninguém se apercebesse.

O céu estava negro, as nuvens eram vultos grotescos guardando dos olhos incautos o brilho das poucas estrelas visíveis. A determinada altura os metais da orquestra soaram com mais intensidade e eu elevei-me um pouco mais no ar, profundamente seduzida pela melodia...

Dreams of the summer night
Tell her of all the keeps
Watch when it's slumber bright
She sleeps my lady sleeps
She sleeps my lady sleeps


Meia dúzia de gaivotas invadiram o quadrado de céu anil e os meus olhos cravaram-se no seu voo perfeito imaginando que também elas ouviam a música, as penas ondulando como o meu cabelo.

Numa das janelas havia uma grande tela branca projectando a preto e branco o meu sonho daquela noite de Verão. Os holofotes fixaram-me e eu rodopiei numa possessão estranha e incontrolável. Via-me naquele estranho filme: as gaivotas, a orquestra, o corrimão, o vento frio, a luz, uma terrível cefaleia................... she sleeps my lady she sleeps...

She sleeps...

She sleeps...

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