Há 150 anos, mais dia menos dia, mais lua cheia menos lua cheia, mais época das colheitas menos época das colheitas, uma jovem sentava-se calmamente à janela de sua casa, um longo pano de linho fino estendido sobre os joelhos e a agulha dançando habilmente nas mãos.
Tantas outras jovens fariam ao mesmo tempo aquela mesma tarefa, cumprindo o seu destino, consumando com os dedos primaveris e ingénuos o desígnio já cumprido por gerações e gerações de mulheres antes de si. Mas nenhuma imaginava, como ela, naquela tarde, motivo mais profundamente sincero para bordar na superfície branca e suave do linho corações de vermelho palpitante.
Hoje toco esse mesmo tecido e projecto-me numa espiral de tempo, segurando o peso das expectativas, da ansiedade, dos projectos e dos receios da jovem noiva. O coração jovem da minha trisavó palpita-me entre os dedos e dá-me a sensação única de ser dona de um pequeno e maravilhoso tesouro.
A um canto do lençol as iniciais M.A. bordadas no mesmo ponto delicado. Maria Ana.
No meu imaginário projectam-se outras palavras, sentidas talvez por ela quando escolhia cuidadosamente a forma das letras e a cor da linha. Meu Amor.
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