Não gostava ela de outra coisa.
Lamentar-se das suas próprias desventuras na imaginação alheia. Ouvia a música, via o filme, e a vida dos outros era sempre um drama auto-biográfico.
São quase quatro da madrugada e parece até um presente celestial esse sono que chega e aconchega as pálpebras. Ela ali está, meio reclinada no sofá de três lugares, tem os phones nos ouvidos mas penso que não ouve nada, tal é a forma como os olhos estão vidrados na parede.
Não interessa o que pensa hoje. Amanhã terá lamentado as palavras ditas. É por isso que me deixo ficar aqui, a pairar, agarrando-lhe as mãos com violência e a memória com correntes de ferro para que se cale. Para que se cale.
Por esta noite consegui. O sono empurra enfim o corpo cansado para a cama e nem uma palavra sai daqueles lábios precariamente suturados.
"É só uma gota num copo de água", diz a voz na cabeça dela, "e o copo és tu toda e aqui continuarás quando essa gota se evaporar, mesmo que a gota seja o teu coração e a tua alma agora, não te esqueças, meu anjo, que as gotas de água são todas iguais."
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