(Re)nascer

Há uns dias assisti a três partos. Nunca tinha visto uma criança nascer... nunca tinha visto ninguém em trabalho de parto. Pensei que me fosse comover, emocionar e sobressaltar perante o momento exacto do nascimento, mas a verdade é que isso não aconteceu. Vi esperança nos olhos das mães, mas não muita... Vi amor nos seus gestos, mas não tanto como esperava ver.

Estava à espera de me deparar com as emoções mais puras e mais humanas... Emoções que me fariam ter confiança no futuro. Queria ver com os meus olhos a prova incontornável de que a vida à minha volta continua, no seu curso inexorável e cíclico, independentemente de outras tristezas, de outras lágrimas, minhas ou de alguém mais. Mas naqueles minutos que ali estive nas salas de parto, ouvindo desabafos guturais de mulheres em sofrimento e o choro desesperado de bebés cinzentos não senti nada disso. Senti o sangue que lhes corria por entre as pernas, senti os pezinhos gelados dos recém-nascidos, senti a expressão de banalidade e rotina dos médicos e enfermeiros.

Saí da sala e fui até ao berçário. Lá estavam. Eram lindos! Só eu e três pequenos milagres, respirando o mesmo ar. Eles nunca saberão que ali estive mas ainda assim senti-me feliz. Um deles chorava com um vigor impressionante e refrescante. Pedi-lhe baixinho que parasse de chorar, que guardasse as lágrimas para os desgostos da vida. Ele respondeu-me com um lamento ainda mais sonoro, de revolta, de força! Com apenas alguns minutos de vida parecia querer mostrar-me qualquer coisa de extraordinário. Não vou ter a arrogância de dizer que percebi toda a verdade daquele momento mas sei que foi único e importante. Senti, mais do que nunca, que devia lutar por aquilo em que acredito. Assim farei.

1 comentário:

Jotomicron disse...

Antigamente levavam-se os bebés ao rei ou ao, ainda antes, ao feiticieiro da aldeia para serem abençoados. Hoje parece um costume anacrónico e absurdo. Talvez...

Mas a verdade é que as crianças viveram contigo aqueles minutos, sentiram a tua presença da sua forma muito ingénua e pura, e, no fim de contas, talvez vejam a crescer melhor porque naquele momento as tentaste sossegar ou embalar ou simplesmente olhaste para elas com a ternura e a emoção à flor da pele.

E se elas, por algum motivo, crescerem para serem lutadoras e souberem, inatamente, que devemos lutar por aquilo em que acreditamos, quem pode dizer que não foste tu quem lhes encutiu tal sentimento?