Portas


27 anos depois do primeiro fôlego de ar respirado, do primeiro choro e do primeiro vínculo humano, revisito as minhas ideias sobre o mundo e a vida.
A partir do privilegiado pedestal que é o sofá quente de casa, o meu olhar repousa nos objectos e reconstrói-os no seu mais elementar significado. Como cada um deles, coisas desprovidas de vida e de vontade própria, também nós estamos repletos de funções, utilidades, mecanismos de acção e consequência.

Hoje estou fixada no funcionamento das portas.
As portas separam divisões diferentes, espaços contíguos que se pretende que não estejam permanentemente comunicantes. Contudo, criam uma ligação potencial, caso contrário ter-se-ia erguido uma parede de betão e tijolo, interrompendo totalmente a passagem.
Fechar portas é, por isto mesmo, um gesto transitório. A maioria das vezes a vida de uma porta é uma sucessão de acções contraditórias - abrir, fechar, abrir, fechar, abrir, fechar. Em momentos peculiares fica só encostada deixando entrar uma nesga de luz, em cenários mais drásticos roda-se a chave e fica trancada, guardando um tesouro ou escondendo alguma coisa indesejada.

Assim, tal como acontece no mundo materialista dos objectos, também nas relações humanas nenhuma passagem se encerra definitivamente fechando portas. O bom senso manda que se ergam paredes.
 
 

 

2 comentários:

Anónimo disse...

As portas giratórias não abrem caminho, conseguem apenas reter-nos no mesmo sítio. Quando assim é, que se ergam muros bem altos e se fechem a tentação de não sair do mesmo sítio. Os caminhos não se alteram, cabe-nos a nós mudarmos de rumo quando o que seguimos não tem saída.

sofia disse...

True...