O 5º sentido

Há muito tempo atrás li num livro que o sentido que mais memórias evoca é o olfacto.

Anos depois estudei anatomia do sistema nervoso e percebi que fazia sentido que assim fosse porque as sensações olfactivas são interpretadas por uma parte do cérebro muito antiga em termos evolutivos.
Talvez seja por isso que os cheiros desencadeiam sentimentos tão fortes e difíceis de controlar, impulsos instintivos e até rudes na maneira como nos ocupam o pensamento e nos orientam para um determinado momento ou época do passado.
Talvez seja também por isso que os perfumes são coisas tão pessoais, tão marcantes e tão difíceis de entender sem ser naquela primeira pessoa que os usou perto de nós.

Lembro-me de arrumar uma malinha de coisas que tinha no meu quarto há uns bons meses atrás e de encontrar alguns frascos de perfume, ainda com um bocadinho de líquido no fundo, à espera de serem encontrados no meio da tralha. Cada um deles era um pequeno reservatório de memórias, boas e más, algumas aparentemente irrelevantes mas que se colaram àquele odor e por alguma razão permaneceram naquele pedacinho de cérebro.

É também curioso aquele fenómeno que, penso, reconhecerão: quando um cheiro nos marca (pela persistência ou pela ocasião) passa a isolar-se e a destacar-se de todos os outros, por mais intensos e fortes que sejam.

O olfacto é subestimado, como muitas das memórias que chama à superfície. É imperfeito e inexacto; não se pode gravar para sentir depois, como se faz com uma imagem ou uma música. Traz-nos do fundo da alma (se ela existir) o desejo ou a aversão, a paixão ou a repulsa, o amor ou a raiva.

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