"Chovia a cântaros e, mais uma vez, tinha acordado tarde. Saí de casa sem que me lembre como, a chuva a escorrer-me pelos cabelos, passo apressado esperando a sorte dos semáforos verdes.
No metro, sacudi-me da água como podia e sorri para trás, para o dilúvio que continuava lá fora. Como uma criança, mãos encostadas ao vidro, respiração a embaciar a superfície fria, esperei que dos fenómenos naturais surgissem outros, fantásticos, dignos da mais excêntrica história de encantar. Dos meus sapatinhos vermelhos saltaram faíscas brilhantes e tu entraste, lutando contra o chapéu-de-chuva, encantador num desastre de varetas partidas e tecido rasgado.
Sorriste para mim, eu sorri de volta, cabelos desalinhados e o meu dia recomeçou. Havia dragões no céu e uma arca gigante balouçando uma centena de animais num mítico oceano moderno, mas eu estava já de alma seca, caminhando alegremente para a plataforma.
O teu sobretudo escuro caminhava ao meu lado e sorríamos os dois.
Toda a gente sabe que os príncipes aparecem em dias de tempestade, ensopados e despenteados, enquanto correm para a carruagem do metro em hora de ponta.
Sabemos todos, também, que desaparecem da mesma forma, entre a multidão heterogénea das manhãs da cidade, engolidos pelo cinzento do final de Dezembro e do betão das ruas. E assim nos separámos na terceira estação, quando tu saíste e eu fiquei, extasiada ainda na carruagem parada enquanto tu acenavas um fabuloso adeus com as ruínas do chapéu."
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