Sem título

Quando a noite chega e preenche tudo à minha volta, questiono-me se as palavras ditas ficam guardadas no tempo e espaço em que aconteceram.
Poderei recuperá-las um dia? 
Ficarei para sempre impressionada com o facto de momentos que duraram minutos ou horas, poderem permanecer sedimentados na memória durante anos a fio, vívidos como quando ocorreram, doridos e emocionantes como um murro forte ou um beijo intenso.
Engulo em seco como naquele dia no parque de estacionamento, sinto o muro áspero onde me sentei e ouço o eco das palavras ditadas e assinadas.
Recordo o sabor salgado das lágrimas enquanto me deixava escorregar no banco do carro, olhos cravejados na água calma enquanto o sol desaparecia com os meus sonhos.
Embrulho-me com força na manta imaginária, enquanto relembro o frio gélido daquela manhã doirada, penetrante e cru como o final que antecipava.
Quando os recordo, dias intermináveis da minha vida, magoam menos do que quando surgem de forma imprevista, no inocente intervalo das tarefas quotidianas, manchando períodos de incólume tranquilidade.
Gostava de os guardar a todos em frascos rotulados, dispostos numa aberrante prateleira de recordações, num quarto para sempre trancado, longe da superfície da consciência. Gostava de parar este sabor agridoce na minha boca, a saudade que evoca, o lírico desejo de voltar atrás no tempo e transformar o choro em momentos felizes.
A distância que me separa de ti, memória vagarosa e linda, são 3 dias que parecem 3 eternidades. Peito rasgado a sangue frio, vontade de o deixar vazio até que os planetas se realinhem e tu regresses.
Posso voltar ao dia de hoje? Ao mês passado? Ao ano passado?
O novelo que me deixaste na mão permanece denso, insuportavelmente denso. Em vão, tentei desfiá-lo com os dedos gelados mas não sou capaz, preciso de ti e do teu calor vital para reencontrar a ponta solta.

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