A minha avó


A minha avó viveu no paraíso, ou no inferno, não sei bem.

Sei que dormiam os 6 numa laje fria ou num palheiro ao pé do gado.
Sei que nessa mesma laje se faziam os partos e a minha avó esperava na cozinha, pés descalços na madeira tosca, aquecendo os panos, enquanto a parteira da aldeia colocava os irmãos no mundo.
Sei que as galinhas corriam livremente no curral mas os ovos não se podiam comer, o dinheiro da venda era indispensável.
Sei que o porco morto em Outubro tinha que durar um ano inteiro.
Sei que até ser adolescente nunca tinha calçado uns sapatos dignos desse nome, que saiu da escola porque educar os homens era prioritário e que levava o almoço aos irmãos, merenda escassa, quando eles trabalhavam nas minas de volfrâmio.
Sei que adorava o baile da aldeia, dançava e tinha dezenas de amigas.
Sei que corria livre nos campos semeados, que cantava nas vindimas e tecia panos de linho branco, perfeitos, que hoje estão guardados em gavetas.
Sei que no Inverno a geada matava, dos telhados toscos pendiam estalactites e a família aninhava-se à lareira, iluminada por uma candeia de petróleo ou azeite.
Sei que o forno era comunitário, que o pão era de todos, num simbolismo daquela união de vidas difíceis.
Sei que no Verão, quando não trabalhava de sol a sol, corpo bronzeado e cabelo numa trança grosseira, tomava banho na ribeira, apanhava peixinhos e ouvia os pássaros.
Sei que não conhecia o mundo e que, quando chegou a Lisboa, pensou que do Cristo Rei podia ver a aldeia beirã onde nascera.

Agora, sentada no sofá da sala, diz que mesmo na miséria era feliz. E eu acredito.

2 comentários:

Vasco Ribeiro disse...

Lindíssimo. A minha avó também viveu esses tempos, teve 13 filhos e tudo foi criado, entre a fome e o trabalho do campo. Todos eles dizem que foram os melhores anos da suas vidas... E eu também acredito.

Sandra disse...

Fizeste-me lembrar da avó materna..

Acredito mesmo que sim, que ela tenha sido feliz. A felicidade nao vem do dinheiro mas da forma como nós olhamos para o que temos. Olhar para o que nao temos é o que nos traz ainda mais infelicidade.

De que forma nós, que comparando com a tua avó, tudo temos, somos mais felizes? eu que estou sentada na mesma cadeira há dias, que nada mais faço a não ser estudar para o exame que não compreendo, não sou de certeza mais feliz do que a tua avó que corria livremente pelos campos. e estupidamente nao o sou por opçao. estou a espera de um dia ser feliz com todos estes sacrifícios...O que me vale são os mimos que vou recebendo dos amores que me rodeiam. se sou feliz é por isso =) (adorei o teu telefonema no outro dia =D )
beijinhos. vou re-atacar o relatorio. acabou o tempo do café!