Eu sou fumo


Porque é que a noite vem assim, de surpresa, de mansinho, para nos lembrar de todos os erros e de todas as tristezas? Porque é que há sempre momentos em que tudo são dúvidas e más lembranças? Porquê este desconforto em estar aqui e agora?
Porquê a sensação de estar só, de falar e ver as minhas próprias palavras, escritas em fumo, confinadas a quatro paredes espessas e frias?
Porquê a sensação de andar em círculos, de deambular numa floresta escura e sombria, perseguida por olhos fluorescentes de raiva e de inveja?
Porquê o sentimento de perda e de desilusão? Porquê esta eterna revisitação das horas mortas, dos dias passados, das vidas que jamais poderão ser vividas?
Porquê a sensação de que metade de mim ficou para trás, trespassada por uma espada amiga, vítima de si própria numa emboscada desleal? Porquê a sensação de ter vivido num cenário dramatúrgico, crendo que era a vida real, contracenando com um actor demasiado bom, terminando o último acto em lágrimas e sem nenhum aplauso?
Porquê esta sensação de ter nascido agora para o mundo real depois de ter passado anos encoberta num fumo lilás de ideias platónicas e amores eternos?
Porque me despertaram do meu sonho, dos meus dias de sol... do meu mundo?

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