Caminhada

Estou nesta espiral de fumo, onde o início é o fim e há sempre mais uma metade para percorrer. São nuvens de poeira cinzenta que me impedem de ver mais além e que atravesso de olhos bem fechados. A cada passo, cânticos extasiantes e amaldiçoados tentam conduzir-me ao abismo e milhares de vultos que não distingo tentam, enérgicos, empurrar-me para os meus medos mais profundos. De pés bem cravados no solo, interrompo a marcha. Dou um grito surdo no meio deste ciclone de pânico. Abro os olhos. Milhares de pequenas partículas dolorosas obrigam-me a fechá-los logo de seguida. No campo escuro da minha cegueira projecto milhares de cornucópias coloridas, um caleidoscópio confuso que não pedi para ver. Repentinamente, todo o meu corpo é atingido por uma dor violenta, excruciante, irreal. Cedo ao peso dessa dor e deixo-me cair no chão, estupidamente macio. Adormeço profundamente. Algo de mim se ergue na atmosfera e observo de longe o meu corpo inanimado, envolto em colunas de fumo negro, cada vez mais negro. No céu a lua brilha, exuberante, e chama-me para si num apelo irresistível. Não consigo voar tão alto.

1 comentário:

Jotomicron disse...

Faz lembrar Mordor, a Terra de Sauron! E tu, pobre hobbit, foste aqui lançada com um soco por entre a tua personalidade, um murro totalmente dispensável.

Não olhes o fogo que se entranha pelo teu corpo, não corras sem um plano. Espera, pensa, decide e então descobrirás que o próprio poder da mente consegue embelezar um pouco este ermo de solidão e negrume. E, como que por magia, surgirá uma escada para te transpoirtar para a lua e, de lá, para onde tu mesma quiseres!