Lá fora está sol... deve estar quente... se calhar corre uma brisa. Vejo tudo pela janela, bocejo, aconchego-me no sofá. É o reino do tédio e da preguiça. Fecho os olhos e aproveito o silêncio, saboreio o milésimo de segundo em que não penso em nada. Estou só.
Logo a seguir recomeçam os pensamentos monótonos de culpa e tristeza, recalco-os para uma espécie de esconderijo emocional e reconstruo-me.
O tecto branco, as paredes, os objectos estáticos e sem vida. Permanecem imutáveis e indiferentes ao meu estado de espírito. Se agarrar aquele prato de vidro e o arremessar com força contra a parede ele não vai gritar, não vai protestar contra a injustiça ou estupidez do meu acto, não vai ficar desiludido com a minha falta de escrúpulos nem vai acusar-me de projectar a minha raiva acumulada, destruindo num só gesto a sua frágil existência. De certeza que vai ficar no chão, estilhaçado, irreconhecível, convertido em milhares de entidades irregulares e cortantes.
Tenho horas de estudo pela frente, ou pelo menos era assim que devia ser. Mas ainda não estou preparada para começar... só mais umas palavras... só mais umas frases minhas. Tenho um prazer idiota em ficar assim, olhando este espaço sobejamente conhecido e sabendo que me aguardam mil responsabilidades.
Ao fundo há um espelho, desenquadrado do resto, reflecte a sala e reflecte-me a mim.
Quem és tu menina, com esse olhar triste?, diz ele. Nunca te vi por aqui... Venderam a casa?
Não, não venderam a casa. Não me reconheces?, respondo eu.
Fazes-me lembrar alguém... Alguém que vivia aqui. Alguém que costumava sentar-se nesse sofá e olhar por aquela janela. Sabes de quem falo?
Acho que sim. Acho que sei. Eu sou a Sofia. Essa pessoa de quem falas não vai voltar.
Eu já desconfiava. É pena, gostava dela.
Encolhi os ombros e olhei o meu reflexo.
Está na hora.
1 comentário:
a vida, as etapas mais dificeis, as pedras que se atravessam na nossa frente, essas não nos deixam indiferentes: mudamos sempre, quer queiramos , quer não...
por isso, "essa", não voltará..
acredita que serás novamente feliz, que terás o teu sorriso de volta.
Voltarás, não a mesma, diferente, mas voltarás :)
bj e um abraço do tamanho do mundo***
Enviar um comentário